Fazem o mesmo com a avati, a fim de preparar uma bebida do milho. São as mulheres, como já disse, que tudo fazem nessa preparação, tendo os homens a firme opinião de que se eles mastigarem as raízes ou o milho a bebida não sairá boa.”
“Antes de terminar tal assunto, e a fim de que os leitores se convençam de que se tivessem vinho à vontade enxugariam galhardamente o copo, vou contar uma história tragicômica, que em sua aldeia me contou um mussacá, isto é, um bom e hospitaleiro pai de família.
‘Surpreendemos uma vez, disse ele na sua rude linguagem, uma caravela de pêros (isto é, portugueses, que como já referi são inimigos mortais dos nossos tupinambás) na qual, de mortos e comidos todos os homens e recolhida a mercadoria existente, encontramos grandes caramemos (tonéis e outras vasilhas de madeira) cheias de bebida que logo tratamos de provar. Não sei qual qualidade de cauim era, nem se o tendes no vosso país; só sei dizer que depois de bebermos ficamos por três dias de tal forma prostrados e adormecidos que não podíamos despertar.’ É verossímil que fossem tonéis de bom vinho da Espanha, com os quais os selvagens, sem o saber, festejaram a Baco. Não é pois de admirar que o nosso homem se tivesse sentido tão repentinamente atordoado.
No que diz nos diz respeito, ao chegarmos a esse país procuramos evitar a mastigação no preparo do cauim e faze-lo de modo mais limpo. Por isso pilamos raízes de aipim e mandioca com milho, mas, para dizer a verdade, a experiência não provou bem. Pouco a pouco, nos habituamos a beber o cauim da outra espécie, embora não o fizéssemos comumente, pois tendo cana à vontade punhamo-la de infusão por alguns dias na água depois de refresca-la um pouco por causa do grande calor; e assim açucarada bebíamos a água com grande prazer.”
“Imediatamente depois de morto o prisioneiro, a mulher (já disse que a concedem a alguns) coloca-se junto do cadáver e levanta curto pranto; digo propositadamente curto pranto porque essa mulher, tal qual o crocodilo que mata o homem e chora junto dele antes de comê-lo, lamenta-se e derrama fingidas lágrimas sobre o marido mas sempre na esperança de comer-lhe um pedaço. Em seguida, as outras mulheres, sobretudo as velhas, que são mais gulosas da carne humana e anseiam pela morte dos prisioneiros chegam com a água fervendo, esfregam e escaldam o corpo a fim de arrancar-lhe a epiderme; e o tornam tão branco como na mão de cozinheiros os leitões que vão para o forno. Logo depois o dono da vítima e alguns ajudantes abrem o corpo e o espostejam com tal rapidez que não faria melhor um carniceiro de nossa terra ao esquartejar um carneiro. E então, incrível crueldade, assim como os nossos caçadores jogam a carniça aos cães para torna-los mais ferozes, esses selvagens pegam os filhos uns após outros e lhes esfregam o corpo, os braços, e as pernas com o sangue inimigo a fim de torna-los mais valentes.
Depois da chegada dos cristãos a esse país, principiaram os selvagens a cortar e retalhar o corpo dos prisioneiros, animais e outras presas com facas e ferramentas dadas pelo estrangeiro, o que faziam antes com pedras aguçadas como me foi dito por um ancião.
Todas as partes do corpo, inclusive as tripas depois de bem lavadas, são colocadas no moquém, em torno do qual as mulheres, principalmente as gulosas velhas, se reúnem para recolher a gordura que escorre pelas varas dessas grandes e altas grelhas de madeira; e exortando os homens a procederem de modo que elas tenham sempre tais petiscos, lambem os dedos e dizem: iguatu, o que quer dizer ‘está muito bom’.”
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